Qual o grau de maturidade de gestão das suas obras?
Um estudo de 2018 desenvolvido pelo Instituto Brasileiro de Estudo e Defesa das Relações de Consumo (IBEDEC) mostrou que, no Brasil, 95% dos empreendimentos imobiliários são entregues com atraso. Os principais motivos para os atrasos de obras se relacionam diretamente com a baixa maturidade de gestão de obras: baixa produtividade, a demora na tomada de decisões, falhas na comunicação e ineficácia do gerenciamento.
Segundo um estudo de 2017 da McKinsey, a baixa produtividade da construção civil decorre, dentre outros fatores, do modelo inadequado de processos e gerenciamento fraco de projetos.
Todos esses dados revelam um cenário que já conhecemos: a construção civil tem que aumentar a produtividade. Essas pesquisas também comprovam que, para obter esse aumento de eficiência, é necessário amadurecer o planejamento e gestão de obras.
Os três degraus de maturidade da gestão de obras
Para aprimorar a eficiência do controle e gestão de obras e, assim, alcançar melhores resultados nos projetos, é essencial desenvolver três itens: pessoas, processos e tecnologias. Não desenvolver um desses pontos prejudica o amadurecimento durável da empresa.
Degrau de pessoas
A adoção de novas tecnologias e implementação de processos não é possível sem um time engajado e com propósitos bem definidos. Caso contrário, esses processos podem ser esquecidos ou deixados de lado. Por isso, o primeiro ponto a ser avaliado se refere às pessoas.
Responsável pelo planejamento
Notamos que empresas mais maduras em relação ao planejamento de obras possuem uma equipe exclusiva para a função de planejamento, contando até com mais de um responsável no departamento.
Por outro lado, naquelas menos maduras, o planejamento e o acompanhamento ficam a cargo do engenheiro de obras ou do gestor, que precisam dividir essas atividades com outras de sua rotina.
Outra opção, que é muito benéfica, é terceirizar o planejamento para um consultor. Além da experiência com diversas obras, uma consultoria traz um olhar externo para os processos internos das empresas. Assim, a consultoria fornece não só um direcionamento objetivo, como também realiza diagnóstico e traz apoio estratégico à empresa.
Envolvimento do gestor
Ter informações atualizadas é um fator preponderante para a tomada assertiva de decisão. Diante disso, é necessário que haja o acompanhamento recorrente por parte dos gestores, para que possam criar planos de ação para direcionar as equipes.
Em geral, o que percebemos é que as empresas com maior destaque no planejamento possuem uma gerência mais próxima, que acompanha os relatórios feitos pelo time de planejamento duas ou mais vezes por mês. A proximidade é um importante indício da maturidade de gestão de obras.
O acompanhamento feito somente uma vez por mês, apesar de ser o mais comum, não permite detectar nem traçar planos de ação para corrigir desvios do andamento físico e do orçamento da obra com tanta eficácia. Segundo a metodologia Lean Construction, os problemas devem ser expostos o quanto antes para que possam ser corrigidos o mais breve possível.
Cultura
A cultura voltada para a inovação tem o importante papel de quebrar as barreiras de um setor que tem fama de ser muito tradicional. Para criar um ambiente onde todos se sintam motivados a implementar mudanças positivas, a cultura da empresa deve ser aberta ao diálogo e os líderes devem incentivar a participação da equipe na criação e na busca de novas soluções.
Empresas que já perceberam os benefícios da inovação para o setor criaram uma área voltada para a inovação e tecnologia. No entanto, quando a construtora ainda não possui estrutura para a criação dessa área, analisamos, em nossa calculadora de maturidade de gestão de obras, se outras soluções tecnológicas são adotadas.
Vale ressaltar que a inovação pode ser um processo interno, no qual a construtora busca criar suas próprias soluções, ou pode ser aberto, em que se adotam soluções já existentes no mercado.
Nesse sentido, todo ano a Terracotta traz um levantamento das construtechs e proptechs brasileiras (startups que atendem o mercado da construção civil e imobiliário). O número dessas startups registra um crescimento a cada ano, registrando, nos últimos 5 anos, um aumento de 235% de construtechs e proptechs no Brasil.
Degrau de processos
Este item se refere às rotinas, metodologias e práticas de planejamento difundidas dentro da construtora. O mapeamento e a definição de processos são importantes para a redução da variabilidade e o aumento da eficiência.
É crucial que os processos estejam alinhados e sejam eficientes para a implantação de uma tecnologia.
Lean Construction e Linha de Balanço
Também chamado de construção enxuta, o Lean Construction é uma metodologia que pode ser resumida em redução de custos, desperdícios e processos. Seu principal benefício para a obra e para os projetos construtivos em geral é a otimização.
Já a Linha de Balanço é uma técnica de planejamento que utiliza conceitos do Lean e é explorada pela construção civil para melhorar a eficiência e a produtividade. Apesar de muitas construtoras ainda utilizarem a metodologia do Gráfico de Gantt (MS Project), diversos estudos relacionados a práticas do Lean Construction comprovam as vantagens do método da Linha de Balanço, como a troca facilitada de informações entre os gestores e time operário, interferências do cronograma mais evidentes, entre outras.
Em nosso dia a dia, notamos que muitas construtoras já conhecem a metodologia da Linha de Balanço, mas não a adotam por falta de conhecimento sobre tecnologias que utilizam essa técnica. E algumas até desenvolvem a própria Linha de Balanço no Excel.
Horizontes de planejamento
Sabemos que, quanto mais se aumenta o horizonte de tempo, maiores são as incertezas. Por outro lado, se um planejamento de longo prazo é criado de forma muito detalhada, corre-se o risco de serem necessárias constantes revisões.
Com foco nas diferentes necessidades de um projeto, para o longo prazo é desenvolvido o Master Plan ou Plano Mestre, um planejamento com menos detalhes que fornece uma visão mais estratégica de todo o projeto.
A partir do Plano Mestre, desenvolve-se o planejamento de médio prazo, que tem como objetivo proteger a produção para que a construção não pare por falta de materiais ou equipamentos.
Por fim, o planejamento se desdobra no curto prazo, que possui um nível operacional. O planejamento de curto prazo visa definir metas semanais para que a obra seja executada conforme o estipulado no plano mestre.
Na prática, geralmente é feito o planejamento de longo prazo na maioria das construtoras, enquanto o médio e curto prazo não são assim tão frequentes. Apesar disso, nem sempre são feitas reuniões de acompanhamento do longo prazo.
Também é muito comum na construção civil a informalidade do repasse de informações, isto é, a comunicação interna de forma verbal, sem documentação. Observa-se que esse hábito está presente em todos os horizontes de planejamento, seja nas reuniões para acompanhamento do longo prazo, nos alinhamentos do médio prazo ou na definição de metas do curto prazo.
Reprogramação e replanejamento de obras
Conforme a obra vai sendo executada, é certo que imprevistos ocorrerão e, portanto, é comum que o planejamento fique ultrapassado. Sendo assim, torna-se necessário realizar uma reprogramação para minimizar os impactos no prazo e custo final da obra.
Uma prática que aponta a alta maturidade de gestão de obras é a realização de simulações de cenários para a tomada de decisões embasadas tanto em dados do prazo quanto do custo da obra.
Similarmente ao planejamento, a reprogramação não deve ser realizada de forma centralizada no escritório, para ser simplesmente repassada para obras. A validação da reprogramação das obras é essencial para garantir que as ações planejadas sejam de fato possíveis de serem realizadas.
Degrau de tecnologia
O último degrau visa centralizar, integrar e compilar de maneira clara e instantânea as informações do projeto. As tecnologias são ferramentas que auxiliam pessoas a concretizar a eficácia nos processos e, portanto, aumentar a maturidade de gestão de obra.
Se implantadas sem o desenvolvimento de pessoas e processos, as tecnologias podem evidenciar a ineficiência. Portanto, é preciso treinar e motivar as pessoas para que se integrem e compreendam plenamente os processos, buscando a melhoria contínua e fazendo uso da tecnologia mais adequada para tal.
Planejamento Financeiro e ERP
O sistema de gestão empresarial (ERP) é uma das principais tecnologias que avaliamos na maturidade do planejamento de obras. Sem um ERP, muito dificilmente uma construtora com mais de 2 obras consiga ter um controle preciso de custos.
Um passo além do ERP é ter o planejamento financeiro conectado ao físico, permitindo que sejam feitas análises físico-financeiras de forma integrada e garantindo que as decisões sejam tomadas ponderando-se a melhor escolha para a entrega no prazo, com desvio de custos dentro do esperado e com conhecimento do fluxo de caixa mensal da obra.
Observamos que, apesar de algumas construtoras terem ERP, a conexão entre o planejamento físico e o financeiro não é realidade para muitas delas. Ainda, por desconhecerem softwares de planejamento que integrem com ERPs, algumas empresas tentam realizar essas análises via planilhas, o que torna a atividade excessivamente manual e exige muito tempo operacional.
Kanban
Como comentado anteriormente, o planejamento de médio prazo tem como objetivo proteger a produção. Isso é feito por meio da gestão de restrições, que geralmente é realizada por meio de um quadro kanban.
Embora o plano de médio prazo tenha um papel fundamental para garantir o cumprimento dos prazos, esse planejamento é frequentemente negligenciado em construtoras com menos maturidade de gestão de obras – e, consequentemente, o uso do kanban também.
BIM
A Modelagem da Informação da Construção (BIM) consiste em modelos que guardam e geram dados durante todo o ciclo de vida da construção. Essa é uma tecnologia que vem ganhando reconhecimento cada vez maior no mercado e no poder público. Em 2020, foi promulgado o Decreto Federal nº 10.306, que exige o uso dessa tecnologia em obras públicas federais.
Indicadores e dashboards
Apesar de não ser uma tecnologia propriamente dita, os indicadores são peças fundamentais para apontar se a obra está sendo executada conforme o planejado. Eles revelam a necessidade de mudanças de estratégias para corrigir e alcançar o objetivo final.
Muitas construtoras ainda deixam de analisar os indicadores. Outras, que já deram os primeiros passos nesse quesito, analisam os dados em planilhas. No entanto, a análise dos indicadores pode ser aprimorada por meio da tecnologia. Para mitigar tempo e esforço, e assim aumentar o grau de maturidade de gestão de obras, a construtora pode utilizar softwares que proporcionam melhor visualização da informação e atualização dos dados de forma automática.
O amadurecimento “tardio” da construção
O mercado da construção civil é reconhecido pelo seu baixo nível de produtividade. O estudo da McKinsey anteriormente mencionado mostra como o setor se manteve estagnado no mesmo patamar de produtividade durante anos, enquanto outros mercados aumentaram sua eficiência.
No entanto, por muito tempo a construção foi pouco abastecida com tecnologias focadas em resolver seus problemas específicos. Adicionalmente, a indústria possui características que a tornam mais complexas em relação às demais, como o fato de cada projeto ser único e de as equipes se renovarem a cada projeto. Por isso se torna tão importante a maturidade de gestão de obras.
Embora as particularidades existam, elas não devem impedir que a construção se mantenha estagnada nos próximos anos. Conforme mostra o mapeamento da Terracotta, a inovação e as soluções tecnológicas estão mais acessíveis para resolver as especificidades em toda a jornada da construção.
As empresas de construção devem compreender a responsabilidade que possuem e se fundamentar em seus propósitos para evoluírem. Afinal, o setor que ao mesmo tempo mais cresce e mais cria empregos no Brasil também é o que mais gera resíduos no mundo.
[via Sienge]